Manipulável.
Inocente.
Imatura.
Completamente apaixonada.
Era assim que ele se lembrava dela. Era assim que ela o habituara a vê-la.
Quando se haviam conhecido alguns anos antes, ele cruzara olhares com ela num dos piores dias da vida da rapariga e ela deixara-se ler como se fosse tão transparente como uma teia de aranha quando molhada pelo orvalho matinal.
Barreiras algumas haviam sido postas entre as suas almas. Tão fácil. E ela era mesmo fácil de encantar. Um par de olhos azuis, uma promessa de um futuro que talvez pudesse nunca acontecer e tão fácil quanto estalar os dedos, ele já a tinha aos pés.
Bastou alimentar com algumas mensagens, com alguns convites que eram sempre misteriosamente cancelados, pela tão pouca sorte que ela acredita que ele tinha. Ela vivia num mundo de fantasia onde ele era o principe encantado e todos os que a tentavam fazer ver a realidade eram meros obstáculos ao seu final feliz.
Mas o sempre, nem sempre dura e as suas lentes que romantizavam o mundo de um tom cor-de-rosa infantil e um vermelho apaixonante quebraram, permitindo-a começar a ver noutros tons, tons neutros, tons frios.
Tons tão frios quanto a realidade pode ser e tão frios que a quente alma gelou em segundos – o principe encantado de encantado nada tinha e desfez o castelo para construir um ringue de boxe, trocou os sapatos de cristal por confortáveis ténis que a permitiram conhecer um mundo cheio de surpresas, trocou os vestidos por roupa tão confortável que até montanhas ela aprendeu a escalar. Queimou as promessas e deu-as como alimento à fogueira da vida que se havia acendido nela.
Manipulador.
Sedutor.
Ardiloso.
Um desperdicio de tempo.
Era assim que ela se lembrava dele. Era assim que ele a habituara a vê-lo.
Quando se haviam conhecido alguns anos antes, ela cruzara olhares com ele num dos piores dias da sua vida e ele encantara-a mais rápido do que o flautista de hamelin fora capaz de fazer.
Lembrava-se como tinha aberto a sua alma, não metendo barreiras. Tão estúpida. E ele tinha sido tão sedutor que ela nem notara que havia saltado sem paraquedas. Um par de olhos azuis, uma promessa de um futuro que nunca acontece e ela deixou-se ir para a queda livre que avistava sem que fizesse algum esforço em manter-se em segurança.
Tantas mensagens lidas a haviam feito suspirar e sonhar, tantas desculpas esfarrapadas haviam selado temporariamente feridas causadas pela falta de palavra caracteristica dele, pela tão grande fé que ela tinha no que não merecia fé alguma. Ele tinha sido o jogador profissional num jogo onde ela era apenas principiante e cujas regras desconhecia.
Mas o nunca, nunca devo ser dito e até o melhor jogador perde. A sorte também acaba e a dele acabou quando ela decidiu apagar o número, mudar de cidade e crescer.
O sedutor perdeu o encanto, o jogo perdeu a piada. O coração aqueceu e o arrependimento tomou conta dele. Deixou os casos de uma noite para se tornar na sua melhor versão. Deixou o perfume dela que nunca fora capaz de esquecer o guiar naquela que era a maior aventura da vida dele. Deixou as brincadeiras para aprender a viver segundo as regras.
Fria.
Calculista.
Insensível.
Perita em dizer aquilo que ele queria ouvir.
Era assim que ele a reencontrava cinco anos depois de terem perdido contacto.
Apaixonado.
Carinhoso.
Decente.
Apaixonado por ela.
Era assim que ela o reecontrava cinco anos depois de terem perdido contacto.
Era assim que o destino os decidira juntar, era assim que era para ser.
Estava ambos em pé de igualdade. Eram ambos o oposto do que haviam sido, mas também tinham a experiência do passado para saber lidar com o presente.
E mais uma vez foi assim que a vida passou uma rasteira aos contos de fadas que só conhecem uma versão.